A demissão silenciosa na realidade, trata-se de um fenômeno que foi observado ser adotado por inúmeros trabalhadores ao redor do mundo, e que chamou a atenção do mercado de trabalho.
Observa-se estar esse movimento ligado às formas de relação de trabalho, competição interna, pressão e consequentemente saúde mental. Complementando, pensa-se servir esse movimento como uma maneira de alterar as relações de trabalho em busca de mais qualidade no ambiente de trabalho, bem como um meio de tornar o cargo mais atraente.
Feita essa breve introdução, passa-se ao breve estudo sobre a demissão silenciosa, mais conhecida como “quiet quitting”, que tem dado o que falar.
Modalidades de rescisão
Talvez você esteja se perguntando, se essa tal de demissão silenciosa é uma modalidade nova, uma remodelação ou algo ainda indefinido. Pois bem, na realidade atualmente na legislação há a possibilidade de rescisão do contrato de trabalho por meio de quatro modalidades a) demissão sem justa causa; b) demissão com justa causa; c) pedido de demissão pelo funcionário; d) rescisão indireta.
Demissão sem justa causa
É a forma mais comum e também a mais burocrática de se rescindir um contrato de trabalho. Está prevista no artigo 477 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT “Na extinção do contrato de trabalho, o empregador deverá proceder à anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, comunicar a dispensa aos órgãos competentes e realizar o pagamento das verbas rescisórias no prazo e na forma estabelecidos neste artigo”.
O que ocorre nessa forma de desligamento é que quem toma a iniciativa para a rescisão é o empregador. Por conta disso, fica a cargo deste o pagamento das verbas rescisórias, afinal não há nenhum motivo legal para que tenha ocorrido a dispensa, sendo que muitas vezes o empregado não esperava o desligamento e precisa então ser indenizado por essa ruptura imprevista do vínculo trabalhista.
Nesse caso, não há necessidade de explicitar o motivo, uma vez que ficará o empregado amparado pelas regras trabalhistas, logo terá direito a todas as verbas rescisórias. Todavia, deve o empregador avisar o funcionário com antecedência, fato que se chama aviso prévio, podendo este ser trabalhado ou indenizado.
O aviso prévio é em regra de 30 dias podendo se estender até 90 dias, a depender do período em que esteve ativo o vínculo entre o empregador e o empregado. Para saber mais sobre esse tema, recomendo a leitura do artigo específico aqui do site, clicando aqui.
Dessa forma de dispensa, ficam asseguradas as seguintes verbas:
Saldo salário;
Férias vencidas e vincendas, acrescidas do 1/3 Constitucional;
Aviso prévio indenizado;
Décimo terceiro proporcional;
FGTS e multa de 40%;
Seguro desemprego.
Assim, fica o empregado, que não teve culpa nenhuma, compensado pela dispensa, sendo um meio de proteção ao trabalhador. Essas verbas devem ser pagas até dez dias contados a partir do término do contrato, conforme prevê o parágrafo 6º do artigo 477, da CLT, sob pena de multa por lesar o trabalhador.
Demissão por justa causa
Ao contrário do que visto acima, na demissão por justa causa determinadas ações do empregado contribuem para que ele seja dispensado. Nesse caso, há previsões expressas na legislação, no artigo 482 da CLT.
Essa forma de dispensa, por se dar por culpa do trabalhador, não lhe garante todas as verbas, ficando então desamparado nesse ponto. Mas afinal, quais são as faltas graves que podem ocasionar a justa causa?
Ato de improbidade, que tem a ver com corrupção e desonestidade, como desvio de dinheiro ou de material da empresa;
Incontinência de conduta ou mau procedimento, que tem a ver com comportamento inadequado, como o uso de pornografia em serviço;
Negociação habitual por conta própria sem permissão do empregador ou que seja prejudicial ao serviço, como fechar contratos sem poder;
Condenação criminal, transitada em julgado, ou seja, definitiva;
Desleixo nas funções;
Embriaguez habitual ou em serviço;
Violação de segredo da empresa;
Ato de indisciplina ou de insubordinação, que tem a ver com não aceitar ordens;
Abandono de emprego;
Ofensas verbais ou físicas, exceto para defesa;
Praticar jogos de azar;
Perder habilitação ou requisito da lei para exercer a profissão, em decorrência de conduta do próprio empregado.
Fica o ônus da prova do empregador demonstrar a presença de alguma dessas causas de falta grave, a ponto de justificar a dispensa com justa causa, na forma do artigo 818 da CLT.
Como mencionado, não terá o empregado direito a todas as verbas rescisórias, sendo apenas seu direito o saldo de salário, férias vencidas e horas extras, se houverem. Em relação ao FGTS, ele fica retido, podendo o empregado movimentá-lo apenas depois de 3 anos.
Porém, valido mencionar que existem muitos casos que a realidade não condiz com o que foi afirmado pelo empregador. O contexto fático na verdade demonstra que a empresa está apenas tentando arrumar um jeito de se esquivar do pagamento das verbas rescisórias, nesse cenário, cabe uma ação trabalhista para reverter a dispensa com justa causa para sem justa causa, sendo então devidas todas as verbas.
Pedido de demissão
O pedido de desligamento, é aquele que parte do próprio funcionário que não quer mais manter o vínculo empregatício. Ao solicitar o desligamento, há perda de alguns direitos, porém, de igual forma é preciso solicitar com antecedência, afinal se é ruim para o empregado encerrar o vínculo, também é difícil para o empregador conseguir de forma rápida substituir o cargo que ficou vago.
Os direitos que se mantém são:
Aviso prévio indenizado ou trabalhado;
Saldo de salário;
Décimo terceiro proporcional;
Férias vencidas e férias proporcionais acrescidas do 1/3 Constitucional;
Assim, percebe-se que não há direito ao saque do FGTS, podendo fazê-lo após três anos do encerramento do vínculo, não tem direito ao seguro desemprego. Caso queira se desligar de forma imediata, assim disciplina o artigo 487, parágrafo 2º “A falta de aviso prévio por parte do empregado dá ao empregador o direito de descontar os salários correspondentes ao prazo respectivo.”
É possível também conversar com o empregador, em busca de um acordo para que não fique sem estes valores, principalmente em relação ao FGTS, como por exemplo, solicitar o saque parcial.
Rescisão indireta
A rescisão indireta da mesma forma que a dispensa com justa causa, depende de hipóteses que estão previstas na legislação. No caso da rescisão indireta, há previsão no artigo 483 da CLT.
Pode ocorrer no caso de a relação trabalhista não estar dando certo, todavia, não quer o empregador dispensar o empregado para não arcar com as verbas, e também o empregado não quer solicitar a demissão para não perder os direitos. O que acontece na verdade é que a empresa cria situações ou tem comportamentos que fazem com que o empregado deseje buscar outra oportunidade, mas não quer abrir mão dos seus direitos.
Resumindo, fica um impasse entre perder os direitos e se manter naquela situação. São hipóteses:
forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;
for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;
correr perigo manifesto de mal considerável;
não cumprir o empregador as obrigações do contrato;
praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;
o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.
É mais complicada essa modalidade de rescisão, uma vez que é preciso socorrer-se do judiciário para ter essa forma reconhecida. Com o reconhecimento, fica o empregador obrigado a pagar todas as verbas rescisórias ao empregado.
Demissão silenciosa
Agora sim, a partir do panorama geral do que se tem estabelecido hoje na legislação trabalhista, fica mais fácil compreender porque tem chamado à atenção o fenômeno da demissão silenciosa, também chamada de demissão discreta ou “quiet quitting”.
Este movimento acontece há bastante tempo, todavia não era externalizado e sequer nomeado. A partir das redes sociais esse termo “demissão silenciosa” surgiu, momento em que muitos trabalhadores se identificaram e assim ficou evidenciado se tratar de um movimento comum.
Alguns entendem que seria como um abandono do trabalho, mas não é isso. Trata-se da execução mínima das atividades do seu cargo, em busca de melhor qualidade de vida e saúde mental. Esse movimento bate de frente com a cultura da produtividade excessiva, metas e pressões que podem inclusive desencadear a conhecida Síndrome de Burnout.
Então o funcionário na realidade não adere a essa competitividade que se estabelece no ambiente de trabalho, de forma a se limitar ao que consta em seu contrato de trabalho. Assim, busca-se um equilíbrio, de forma a não viver para o trabalho, dando valor às relações externas, família, amigos e lazer.
As causas da demissão silenciosa são diversas, como, a desvalorização, jornada excessiva e pouco flexível, problemas de saúde mental, excesso de cobrança, ambiente de trabalho ruim, pauta de trabalho pouco estimulante, liderança que não dá voz aos funcionários, dentre outras.
Na realidade, não se trata de uma forma de demissão, de tal modo que sequer está prevista na legislação brasileira. Trata-se de um desengajamento, ou seja, uma limitação dentro daquilo que foi contratado, de forma a exercer o mínimo, o limite para não ser demitido.
O fato é que a falta de engajamento para as atividades, pode gerar a demissão, uma vez que pode não se mostrar mais benéfica a manutenção da relação de trabalho. Por isso é chamada de demissão silenciosa.
O que se busca é uma realização pessoal, de modo a não ser o trabalho um inibidor disso. Logo, deu-se vez ao lado pessoal e não mais as intensas metas que norteavam a vida de muitos, que na verdade em muitos casos só trazia benefícios para o empregador.
A respeito das desvantagens do movimento de demissão silenciosa, tem-se na visão do trabalhador a pouca chance de mudar para um cargo melhor dentro daquela mesma empresa, bem como o desenvolvimento de novas habilidades. Já para a empresa é prejudicial no sentido de queda no rendimento diante da falta de entusiasmo da equipe.
E o que fazer?
Há sim uma possível solução para a demissão silenciosa, a qual fica a cargo dos líderes e do setor de Recursos Humanos estarem sempre atentos. Por se tratar de uma demissão silenciosa, como o próprio nome já diz, fica difícil muitas vezes até para o trabalhador identificar estar vivendo uma situação assim, em que faz o necessário para não ser demitido, mas na realidade não está feliz.
Nesse caminho, por parte do empregador, deve-se atentar a casos de atividade fora do horário de trabalho, acúmulo de função, jornada inflexível, excesso de trabalho e falta de incentivo como promoções. Pois são fatos que podem contribuir para a demissão silenciosa.
Por outro lado, por parte do trabalhador, este mesmo deve observar aspectos no seu dia a dia. A desmotivação para exercer suas funções, problemas de saúde como depressão, síndrome de burnout e ansiedade que passam a interferir na rotina pessoal e profissional, sentimento de desvalorização e excesso de trabalho.
A partir desses pontos, tanto o empregador como o empregado podem tomar medidas para alterar esse cenário de demissão silenciosa que paira no ambiente de trabalho. Recomenda-se uma relação de trabalho transparente, até mesmo para adequar esses pontos, de forma a equilibrar a relação em prol de ambos.
Considerações finais
Jornadas excessivas, falta de incentivos e falta de oitiva dos funcionários, podem gerar problemas de saúde e de desempenho. Assim surgiu a chamada demissão silenciosa.
De fato, ela não se configura como uma demissão em si, um desligamento, mas sim um desengajamento para com o trabalho, de forma que o funcionário se limita às atividades a que fora contratado. Com isso, questões como horas extras, metas e competitividade interna caem por terra, dando vez ao bem estar e realização pessoal.
A demissão silenciosa se caracteriza como prejudicial tanto para o trabalhador que fica estagnado na mesma função, sem motivação de crescer, bem como para o empregador que é prejudicado com a queda do desempenho e inovações. Todavia, essa demissão silenciosa é importante no sentido de valorização do trabalhador e da sua saúde.
Logo, mostra-se essencial que os empregadores e os setores de RH fiquem atentos a situações que venham a caracterizar a demissão silenciosa. Diante de situações assim, devem tomar providências, para além de gerar mais qualidade de vida para os funcionários, criando um ambiente de trabalho saudável, conseguirem tirar disso benefícios para a empresa, com melhora no desempenho, espaço para conversas e troca de ideias.